Quando considerados os mortos
indígenas relativamente à população das etnias, os resultados apontam para um
genocídio. No Amazonas, os Waimiri-Atroari habitavam área em que o governo quis
passar a rodovia Manaus-Boa Vista; perderam 75% de sua população entre 1971 e
1985. Os Panará (ou Krenhakarore), cuja saga inspirou uma música no primeiro
disco solo de Paul McCartney (1970), estavam no traçado da rodovia
Cuiabá-Santarém (Pará); eram cerca de 450 no contato, em 1973; em dois anos
restavam 74 (-84%).
Os índios são apenas 0,47% da
população brasileira. Ainda assim, mais indígenas morreram por decisões da
ditadura iniciada há 50 anos do que as vítimas de outros grupos, armados ou
não. Um único povo do Amazonas perdeu mais habitantes pela violência da
imposição da construção de uma estrada em suas terras, a partir de 1971, do que
todos os não índios mortos segundo as maiores estimativas. Como esse, inúmeros
outros grupos foram vítimas do lado mais brutal e, até hoje, menos conhecido
daqueles anos de chumbo.
A Comissão da Verdade, que
investiga crimes cometidos pelo governo ou agentes do regime autoritário,
suspeita que tenham sido mil mortos ou desaparecidos políticos entre 1964 e
1985. A construção de estradas na Amazônia, no governo do general Garrastazu
(1969-1973), matou 8 mil índios, segundo estima a comissão.
Ainda considerando apenas
exemplos relacionados às estradas do Programa de Integração Nacional (PIN, o
PAC dos anos 1970): os 200 Parakanã contatados em 1971, em área da
Transamazônica no Pará, foram reduzidos a 94 em dois anos (-53%); em Roraima,
14 aldeias Yanomami no rio Ajarani, foram reduzidas a uma única maloca de 71
sobreviventes (-90%, pelo menos); outro conjunto de aldeias, no rio Catrimani,
perdeu 50% de sua população para uma epidemia de sarampo introduzida por
trabalhadores da rodovia Perimetral Norte.
As agressões aos índios na ditadura estão
sendo apuradas por um núcleo da Comissão da Verdade liderado pela psicóloga
Maria Rita Kehl. Ainda que esse passado seja agora expiado, o atropelo dos
direitos indígenas por interesses de setores da sociedade abrangente persiste
no Brasil atual. Quando se trata de realizar obras decididas em Brasília,
impô-las goela abaixo dos índios ainda é a norma. Antes era PIN, agora PAC, mas
vale a lógica expressa pelo ex-governador de Roraima: “Uma área rica como essa,
com ouro, diamantes e urânio não pode dar-se ao luxo de conservar meia dúzia de
tribos indígenas que estão atrasando o desenvolvimento do Brasil” (gen.
Fernando Ramos Pereira, “O Estado de S. Paulo”, 1.mar.1975).
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